Pasar al contenido principal

O Brasil pode ser referência em ação climática ignorando seus próprios Povos Indígenas? “O Preço do Verde” expõe a hipocrisia na COP30.

In English

A'uwẽ-Xavante, comunidades do Vale do Jequitinhonha e a Cultural Survival documentam como o Brasil financia a mineração sem consentimento Indígena, utilizando fundos climáticos.


Belém, Brasil / 13 de novembro de 2025 -- Enquanto o Brasil se prepara para liderar as negociações climáticas globais na COP30, um relatório conjunto dos povos A’uwẽ Xavante, das comunidades Indígenas e quilombolas do Vale do Jequitinhonha e da organização Cultural Survival propõe um questionamento fundamental à credibilidade climática do país: pode uma nação reivindicar liderança climática enquanto financia sistematicamente projetos que violam os direitos de seus próprios Povos Indígenas?

A resposta, segundo o relatório “O Preço do Verde”, é contundente. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) destinou R$ 486 milhões do seu Fundo Clima, um fundo público voltado à mitigação e à sustentabilidade climática, para a mineração de lítio que avança sem o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) de mais de 248 comunidades Indígenas e quilombolas afetadas. A contradição não é acidental, é estrutural.
 

A crise de credibilidade: o que significa liderar a ação climática.

Liderar a ação climática silenciando as vozes daqueles que mais protegeram o planeta não é, de fato, liderança climática. No entanto, é isso que os projetos do Brasil promovem no Vale do Jequitinhonha e no Cerrado. Eles ignoram o CLPI, excluem os Povos Indígenas dos processos de decisão e extraem recursos de territórios que esses povos preservam de forma sustentável há gerações. A mensagem é explícita: a política climática brasileira exige que os Povos Indígenas sejam sacrificados, não ouvidos.


"Nossos territórios estão sendo invadidos, nossos futuros estão ameaçados e nossos direitos são sistematicamente violados em nome do chamado progresso. A mineração de lítio tem transformado nossos territórios em zonas de sacrifício para abastecer a transição energética da Europa. Não somos contra o desenvolvimento, somos contra um modelo predatório que viola a vida e destrói a Mãe Terra. - Djalma Ramalho (Aranã Caboclo)
 

O caso é o da Sigma Lithium. A empresa recebeu mais de R$ 486 milhões do Fundo Clima para operações de mineração em uma região que abriga 130 nascentes catalogadas e funciona como reservatório natural para Araçuaí e dezenas de comunidades. As atividades irão gerar 195,6 hectares de rejeitos, 30% a mais do que minas comparáveis no Brasil. Essas operações violam os dispositivos constitucionais brasileiros que exigem a avaliação de impactos cumulativos, assim como o direito internacional que determina a realização da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI) antes de qualquer atividade que afete territórios Indígenas.

 

"Para nós, o patrimônio material e imaterial, o natural e o sobrenatural, são inseparáveis. Uma pedra tem valor, uma caverna tem valor. A empresa destrói o solo e o subsolo. Os Povos Indígenas sentem isso profundamente.”  - Cleonice Pankararu (Toá Kãnynã Pankararu)

 

PARA ALÉM DE UMA MINA: UM PADRÃO SISTÊMICO

A Sigma Lithium é apenas um dos aspectos de um problema sistêmico no Brasil: as zonas de sacrifício construídas sobre a espoliação e a violação dos direitos dos Povos Indígenas e quilombolas. A Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO) divide territórios ancestrais de 31 mil Indígenas pertencentes a mais de 20 etnias do Cerrado, a savana mais biodiversa do mundo e fonte de água para a Amazônia. A construção já alcançou 35% de conclusão sem a realização efetiva da Consulta Livre, Prévia e Informada (CLPI). Ambos os projetos avançam sob a justificativa de promover a “energia limpa” e o “desenvolvimento sustentável”, enquanto violam sistematicamente os direitos dos Povos Indígenas garantidos pela Convenção 169 da OIT, pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (UNDRIP) e pela própria Constituição brasileira.

Além disso, a FUNAI, órgão do Estado brasileiro responsável pela proteção dos Povos Indígenas, apresentou informações fragmentadas e seletivas sobre a FICO a diferentes territórios. As lideranças A'uwẽ caracterizam essa estratégia como “assédio institucional”.
 

"Se o Estado brasileiro pretende construir infraestrutura para exportar commodities, isso não pode ser feito sobre nossas terras e nossos recursos."  - Lideranças A'uwe-Xavante

 

A QUESTÃO PARA A COP30 E PARA O MUNDO

Se o Brasil não consegue garantir a CLPI em seus próprios projetos financiados com recursos climáticos, sua credibilidade para liderar a ação climática global fica comprometida. A coerência interna determina a autoridade internacional.

O relatório é claro: a liderança climática do Brasil é vazia enquanto as vozes dos Povos Indígenas forem silenciadas nas decisões que afetam seus próprios territórios. Isso não é apenas uma questão de direitos Indígenas, é uma crise de credibilidade climática.

 

O QUE UMA LIDERANÇA CLIMÁTICA REALMENTE EXIGE

  • Suspender imediatamente as operações da Sigma Lithium, da FICO e do Agro Xavante até que haja CLPI genuína de todas as comunidades Indígenas afetadas
  • Concluir com urgência a demarcação das terras Aranã Caboclo, Pataxó e Pankararu em Minas Gerais, bem como das áreas ainda não delimitadas em Mato Grosso.
  • Realizar avaliações independentes de impactos cumulativos com participação plena dos Povos Indígenas e das comunidades quilombolas.
  • Investigar as denúncias de assédio institucional por parte da FUNAI
  • Estabelecer acesso direto a financiamento climático para organizações e plataformas lideradas por Indígenas

     

Mais informações:
Agnes Portalewska agnes@cs.org